O que é um migrante? | Abdelmalek, Sayad

Resenha: Abdelmalek Sayad. O que é um migrante? in Imigração ou os paradoxos da alteridade.São Paulo, Edusp,1998

Prof. William Poiato

Abdelmalek Sayad foi um grande sociólogo, Argelino radicado na França, estudou seu próprio fenômeno (a imigração) com afinco, nascido em 1933 teve seu reconhecimento acadêmico iniciado em 1963, no Centro Europeu de Sociologia da Faculdade de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS), em 1977, ele se juntou ao Centre national de la recherche scientifique (CNRS), nomeado Director de Investigação em Sociologia,falecido em 1988 ficou conhecido como exímio colaborador de Pierre Bourdieu e por seus estudos na área de migrações.


A atual resenha tratará de seu texto “O que um imigrante?” em tradução da Edusp, em edição bastante consultada , da obra de Sayad na qual estão reunidos seus trabalhos de 1975 a 1988, ótima tradução para termos contato com a obra deste autor.


O texto publicado originalmente em 1979 na revista ‘peuples méditerrinées’ traz um enfoque interessante sobre o que é ser um migrante, texto cercado de binômios como é característico da sociologia deste período chega a conclusão que o migrante é sempre encarado como uma força de trabalho provisória, temporária e em trânsito, o trabalho e a estadia são sinônimos, o imigrante é enquanto trabalha e não é sem o trabalho. Sua presença social é colocada sobre a sua condição febril de trabalho.

imigrante argelina na frança.


Tal condição parte da representação do imigrante e a sociedade que o recebe fazem da imigração, como Sayad diz, um fenômeno que auxilia para a sua própria dissimulação, seria a imigração um estado provisório que se alonga ou um estado prolongado que e abrevia?

O imigrante não é colocado- nem por si, nem por aqueles que o recebem- como transplante definitivo em seu novo espaço, é sempre peça extra, o local de onde o imigrante partiu o encara como ausência provisória, ao mesmo tempo em que produz novos imigrantes para ausentar-se em nova escala, temos sempre o binômio na representação – e na vida material- entre a calamidade da espoliação local e a situação limite que o imigrante em seu local de destino, neste sentido Sayad nos demonstra a representação ideal colocada na mente do imigrante, em uma de suas longas notas o autor nos ressalta que antes de lançar-se em empresa tão incerta o imigrante levanta os ‘custos’ e ‘lucros’ e só se lançarão a outro país se a balança apresentar-se positiva, o mesmo se passa na idealização do país receptor, idealmente o processo de imigração seria um processo positivo, sem custos.




Italianos chegando ao Brasil no séc. passado, com suas melhores roupas para se apresentar ao Estado brasileiro e aos fazendeiros.

Mas como bem sabemos, o imigrante enfrenta em seu local de chegada diversos reveses não idealizados, o imigrante é visto como força de trabalho, em outra de sua grandes notas o autor nos recorda que esta posição do migrante o coloca na linha de frente dos atacados em qualquer sinal de desarranjo econômico do país que o imigrante se aloca, ele nos lembra dos argumentos xenofóbicos colocados sobre o imigrante que são força de trabalho que ‘roubam o trabalho dos locais’, neste mesmo ponto de vista – aqui olhado sobre o ponto de vista francês mas que se aproxima muita da posição dos atuais migrantes no Brasil- o etnocentrismo europeu ainda coloca sobre este imigrante a chaga do ‘incivilizado’ do ‘imoral’. O imigrante é trabalho que se vai, não é daqui e como visitante deve ser cordial com aqueles que lhe cedem o espaço, e por ser estranho à este meio não deve possuir o direito dos comuns, seu direito é inferior ao dos locais.



Imigrante haitiano no Brasil em trabalho semi-escravo

Neste padrão de colocação (in)social do imigrante no mundo se pensa nele como o homem que deve ser ‘moralizado’ e civilizado, nem mesmo sua luta política é sua, deve ser lutada por outros, locais , que colocados sobre o efeito da moral do grupo – perceba que o discurso sobre a imigração roda em torno da (i)moralidade-consegue alguns avanços piedosos aos imigrados concedidos pelo Estado para aqueles que assim como migraram para trabalhar em uma segunda leva traz consigo a família ( tendência apontada por Sayad).-

Cartazes em defesa dos imigrantes no Reino Unido, mostram como a luta política do imigrante é travada pelos outros ,  e como lhe é colocada uma posição de resignado ( quem recebe um favor) destes povos.

O papel do Estado é elucidado pelo autor colocando-o como regulador e (des) regulamentador que garante a defesa ou não do imigrante dependendo da sua situação e necessidade, da exemplos da população argelina, incentivada indiretamente para migrar à França mas que já no país pena para conseguir viver dentro da legalidade mesmo quando o Estado se diz disposto a colaborar.


Família argelina na França, fugindo da guerra, ainda mantém de certa forma suas raízes, porém as condições para a imigração estavam postas. A guerra na Argélia associada à grande pobreza e a necessidade da França de novos trabalhadores mostra-se a receita ideal para uma migração em massa. 

Claro que Sayad nas páginas finais do texto dará uma volta em 360° nesta definição dada pela sociedade ao migrante, explana de forma direta sobre as situações objetivas e não ideais que levam o migrante para este fluxo infinito de imigração, o imigrante que sai de um ponto ao outro por mera idealização, mas, sim, porque ambos os países (o que ele parte e que o recebe) já haviam desenvolvido as condições objetivas para que a imigração ocorresse, a transformação do camponês em operário pela expropriação das terras da qual ele sobrevivia é um processo que se amadurece, assim como a espoliação pelo trabalho e nos mostra que para compreendermos o fenômeno devemos olha-lo em um longo processo histórico onde as criticas xenofóbicas surgem após a força de trabalho já ter sido explorada por pelo menos uma geração.

O exemplo argelino é evocado no texto como marca da maior temporalidade e distância da ‘idealidade’ do processo, a imigração é material e expressa e o imigrante, trabalhador que luta para se enraizar em algum local no qual a sobrevivência seja possível.

O argelino ao lançar mão de técnicas estatísticas, históricas e teóricas novas consegue nos dar um caminho interessante por onde trilhar para entendermos quem é o imigrante e qual sua função enquanto trabalhador/ser humano que imigra.

Referencia bibliográfica:

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