Prof William Poiato
Ariovaldo Umbelino deOliveira graduou-se em geografia em 1970 pela Universidade de São Paulo (USP),
se doutorou em ‘geografia humana’ nove anos depois na mesma instituição, onde
iria tornar-se em 1997 livre docente e no ano seguinte professor titular de geografia
agrária pela FFLCH-USP, instituição – como já dissemos- de onde tirou todos
seus título e hoje auxilia outros a conquista-los como orientador e
pesquisador. É considerado um exímio pensador sobre a questão agrária
brasileira, questão a qual reflete e faz colaborações teóricas importantes há
quase quatro décadas, possui diversas obras publicadas entre elas
"Agricultura Camponesa no Brasil", "Geografia das Lutas no
Campo", entre diversas outras. Uma obra que merece atenção intitulasse
"Modo Capitalista de Produção, Agricultura e Reforma Agrária", obra
editorada em 2007 é uma espécie de atualização da obra do autor com mesmo nome
de 1986, porém incorporando diversos textos publicados na revista de orientação
do antigo instituto de geografia e trechos de sua colaboração ao “dicionário da
Terra”, esta fusão (como autor chama) dá origem a esta obra de grande fôlego
para explicar a questão agrária dentro do capitalismo. Não à toa a obra
receberá uma pequena resenha nas linhas que se seguem.
A obra se inicia discutindo
“as abordagens teóricas da agricultura” o autor nos apresenta um pequeno debate
sobre as correntes teóricas da questão agrária no Brasil. Ele distingue três
correntes que se entrelaçam em três posições distintas, segundo o autor os
estudiosos do campo concordam acerca da entrada do campo para as relações
sociais capitalistas, mas discordam se isso irá criar uma divisão definitiva da
propriedade e das classes (proprietários e trabalhadores) ou se o processo é
heterogêneo, no qual o latifúndio se expande em conjunto com o agricultor familiar
e o assalariado surge com a agricultura familiar sem ser a sua negação.
Dentre estas duas posições ele distingue mais três correntes, uma pensa
que o camponês está se desintegrando pela modernização e acumulação dos
latifúndios, que segue uma dupla divisão, o campo seria sugado pera o
capitalismo e o camponês se proletarizam ou do surgimento dos Juncker na
economia rural, este processo é o de penetração. Uma segunda linha que pensa o
feudalismo e a agricultura no capitalismo, ou seja, o processo de separação
pensa na destruição das economias pré-capitalistas, uma segunda vertente dentro
desta pensa na indústria rural já a terceira pensa as ações individuais no
campo separando a terra do camponês. A terceira e última corrente pensa na
reprodução ampliada do capital onde o camponês e o latifundiário se reproduzem
dentro da acumulação capitalista, o camponês não é propriamente pré-capitalista
e pode inserir-se nesta lógica de produção, logo, ele é agente no processo e
deve ser pensado fora da esfera econômica, pensado enquanto esfera cultural,
politica, simbólica, etc.
No capítulo seguinte temos o
debate da ‘agricultura sobre o feudalismo’, fica claro a necessidade deste
debate para verificar se existem realmente relações feudais no campo, se o
senhor feudal e o servo se mantêm em suas posições de alguma maneira. Para tal
ele avalia a distribuição geográfica desta produção. O servo enquanto
trabalhador obrigatório de uma gleba de terra que devia impostos e trabalhos ao
senhor dono daquela terra (que podia mudar), logo o servo não era propriamente
um escravo, pois possuía alguns direitos básicos, a terra era dividida entre o
domínio parte extensiva de terra na qual os servos do senhor trabalhavam para
ele e a parcela terras cedidas (por vezes comunais) para os camponeses. Aos
servos eram marcadas as casas e seus quintais (suas propriedades privadas) de
onde tiravam parte de sua alimentação e as mercadorias que revendiam (desde
legumes até pequenas oficinas), tudo isso entre cortado por terras e bosques
comunais.
O terceiro tomo é voltado a
entender “a transição do feudalismo ao capitalismo”, ele salienta a questão do
campo, o crescimento populacional e a monetarização da economia levaram a uma
partição gradual da terra, esta partição levou a escassez e a percepção da
terra enquanto mercadoria. Os bosques viram propriedades privadas e o monopólio
de terras começa a surgir a partir da competição. As duas modalidades de
propriedade não podiam coexistir, isto leva a uma contradição que assim que as
relações urbanas, o trabalho assalariado e a novas formas de indústria começa a
surgir levam a uma transição de sistema. Com certeza os cercamentos e
arrendamentos de terra (que já predominavam no séc. XVI e XVII na Inglaterra) e
veio a se espalhar por toda a Europa e posteriormente pelo mundo.
Posteriormente ele debate “a
agricultura sob o modo capitalista de produção”, ele salienta a inversão da
troca de mercadorias pelo objetivo ultimo da própria mercadoria e sua inversão
da troca com objetivo de obtenção de mais moeda (antes a mercadoria era transformada
em moeda para a obtenção de outra mercadoria, hoje o dinheiro é transformado em
uma mercadoria para ser revertido em mais dinheiro no fim do processo), neste
processo se estrai a “mais valia" do trabalho alienado. O autor discute
esta relação no campo da Ásia, África e na América descartando seus sistemas
antes do mercantilismo, em seguida debate os sistemas coloniais e de escravidão
que irão dividir a terra e introduzir a produção capitalista no campo nos
países não europeus, assim como extrair mercadorias de produções não
capitalistas para os países centrais enquanto mercadorias, esta é a agricultura
concorrencial. A segunda, monopolista, ocorre à urbanização e a
industrialização de determinados processos isso cria a contradição base para o
produtor agrário, a alta de produtividade no campo acompanha a sua queda e
preços (pelas necessidades urbanas), nas relações monopolistas temos a
submissão da circulação pela produção subordinada a apenas um produtor, surge à
agroindústria e contraditoriamente o produtor familiar (camponês) alijado de
direitos e especialistas na produção de insumos pra esta agroindústria (em todo
mundo desenvolvido isto ocorreu e no Brasil se ensejou até a década de 1970).
No quinto capitulo o autor
discute ‘as relações de produção na agricultura sobre o capitalismo’, inicia-se
o debate discutindo que a relação capitalista básica é a separação do produtor
dos meios de produção, e a separação dos meios de produção do produtor. Ou
seja, o trabalhador agora não está mais preso à terra, ao passo que a terra
também não é mais dele, a terra se torna mercadoria assim como sua força de
trabalho, compradas por outrem. Para reproduzir esta máquina precisa-se do
trabalho ideológico de alienação deste trabalhador com seu próprio trabalho, a
fragmentação deste trabalho, assim como seu convencimento que a origem da
mercadoria e o capital não do trabalho isso se dá pela sua capa de ‘liberdade’
de ‘ser livre’. Logo, esta troca se torna desigual entre capital e trabalho, o
processo de ‘mais valia’ sobre a produção deste trabalhador quem gera mais
capital, no campo isso significa ter ou arrendar a terra e os instrumentos e
maquinários necessário para a produção agrícola, as relações não capitalistas
se subordinam a este processo de lucro, no campo estas relações se reproduzem a
partir do acesso do camponês a terra que nem sempre é tratada como mercadoria
ou nem sempre o trabalho é pago em salários. O camponês então também se
capitaliza no processo ‘dinheiro-mercadoria-dinheiro’ é vender para comprar,
para sobreviver de sua produção especializada.
Temos então talvez o tomo
mais teórico do livro que diz respeito à renda da terra, simplificando suas observações, ele
a classifica como fração da ‘mais valia’, é um valor arrendado ao proprietário
da terra pela sua propriedade da mesma, esta renda pode ser diferencial,
referente a diferença de produção entre duas parcelas de terra a que mais
produz, com mesmo capital investido, acarreta uma renda diferencial da terra,
que pode ser ‘natura’ ou por melhoramentos ‘artificiais’. Temos também a renda
absoluta da terra, é a sua valorização constante em moeda corrente da terra,
caracteriza-se pelo monopólio da terra. Para a produção não capitalistas a
renda da terra se dá pelos excedentes de produção transformados de produto em
mercadorias.
No penúltimo capitulo temos
as considerações do autor sobre a relação entre “a concentração de terra e a
reforma agrária”, a concentração de terra se dá pela tendência de concentração
do meio de produção agrário (terra) nas mãos de uma única classe social, esta
concentração ocorreu em todo o mundo capitalista e cria profundos problemas
sociais, que nas sociedades capitalistas avançadas aliviaram-se com uma reforma
agrária, que segundo o autor, constitui-se em um conjunto de ações
governamentais realizadas pelos países capitalistas visando modificar a
estrutura fundiária de uma região ou de um país todo, é uma prática de difícil
implantação, porém comum a todo o mundo. O contraponto a reforma agrária são as
revoluções agrárias, as revoluções agrárias estão ligadas as revoluções
camponesas, ou seja, quando os trabalhadores do campo conseguem chegar ao poder
e transformar a estrutura fundiária de um país, podemos dividi-las em três
grupos, as de transição entre feudalismo e capitalismo – que criaram as bases
para este segundo sistema ocorrer no campo-, as no bojo das revoluções
socialistas – que tomaram o Estado de fato e experimentaram outros modos
agrários- e a da Revolução Mexicana e da guerra civil americana- que irão
inovar meios de se produzir no campo, criando saltos qualitativos e
quantitativos de produção, pautados em pequenos lotes produtivos.
O autor termina o livro com
o tema que não poderia faltar, o que não o torna menos provocante no contexto
nacional, “a reforma agrária no Brasil”. O autor retoma o contexto das décadas de 1930
e 1940, a firme industrialização nacional empobreceu os trabalhadores no campo,
que ao observar a redemocratização em 1945, seguem as orientações do Partido
Comunista Brasileiro e constroem o primeiro movimento de contestação pela terra
no Brasil, as Ligas Camponesas, tais movimentações irão criar grande inquietude
nacional, até que no governo de Jango o debate, antes de reivindicações de
base, chega à via parlamentar e cria possibilidades de execução. Neste bojo, é
claro, as elites nacionais e internacionais criam o golpe militar de 1964 que
traz uma contrarreforma, leis recessivas como o estatuto da terra e a dura
repressão dos camponeses fecharam este ciclo político de luta pela terra. A
redemocratização trouxe pouco avanço, por sinal sinaliza retrocessos como o I
PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), derrotado pela mobilização renovada
dos camponeses em 1988, em seguida assistimos o surgimento dos movimentos
sócio-territoriais como o MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra), que
começam os anos 1990 sobre a dúbia administração de Fernando Henrique Cardoso,
que apostou na criminalização apoiada no assentamento de uma quantidade de
famílias como tática para liquidar o movimento que se amontoava, no ciclo dos
trabalhistas que se inicia a seguir se ensejam políticas sociais no campo que
segundo o autor NÃO é reforma agrária, apenas acalenta os movimentos sociais
–os pacificando- ao passo que reforça o caráter rentista do capitalismo agrário
brasileiro, que se engendra no agronegócio (soja e açúcar principalmente).
Com esta crítica ácida ao
trabalhismo de Lula termina o livro, que tratou de forma didática de um assunto
ainda, mais ácido: o caráter da manutenção da propriedade da terra no Brasil. A
propriedade da terra e suas relações seguiram sempre a contramão das
possibilidades de reforma agrária e, claro, sufocando os ensejos de
revolucionários agrários. Além disso, é uma ótima obra do geógrafo do
campesinato, -Ariovaldo de Oliveira- para organizar a coletânea
histórico-teórica que faz parte de seu pensamento sobre a questão agrária.
Referências:
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007.
Mt bom, depois confere o nosso post tb, talvez se interesse ;-)
ResponderExcluirPra que serve defensivo agrícola natural. Vlw! :-)
Olá Diego, esta na lista de leituras sem dúvida, obg pela dica.
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