O meio ambiente e a problemática do séc. XXI
Prof. William Poiato
Muito se fala de meio ambiente, muito se pensa e se repisa o conceito. Mas afinal, o que é meio ambiente? Qual sua definição e sua implicação no séc. XXI?
Imagem floresta Atlântica a esquerda e de eucalipto (plantada) a direita
Existe uma afirmação que pode ser resumida de forma aproximada como: a industrialização do século passado obedeceu a ordem cristã da dominação do homem sobre o mundo. Tal dominação pareceu, aos olhos atuais, uma atuação desordenada e desenfreada, a fim de transformar o ambiente. O habitat humano, foi então moldado a sua imagem e semelhança. Tal organização do caos teria destruindo aquilo que chamamos de natural. Esta separação entre o ser humano e a natureza, na sua forma de observa-la causou isso.
Devemos primeiro nos ater que o conceito de meio ambiente esta ligado a outro, mais complexo, o de natureza, a natureza é conceituada de diversas formas, duas se destacam [1]:
a) A natureza como algo dado: Como nas ciências exatas, a natureza é um dado, estático e estatístico, antagonismo de artificial.
b) Natureza como social: a Natureza é hoje um valor, ela não é natural no processo histórico, ela é social, pois é encarada como recurso, se são naturais não são recursos, e para serem recursos, têm que ser sociais. Isso transforma a natureza em algo social.
Podemos dizer que a natureza não é nem um item, nem o outro ao passo que é os dois. A natureza é dialeticamente, um ser externo ao ser humano ao qual ele adquire controle lentamente, inventariando e a tornando (parcialmente) um recurso a partir de um mediador, entre o homem e a natureza, o trabalho[2]. O ser humano, a partir do trabalho, interage com o ambiente, transformando-o e transformando a si mesmo, até mesmo para transformar-se em espécie foi assim[3].
A ação da primeira afirmação, somada a constatação científica acima, temos então uma fórmula bastante difundida, o trabalho humano sobre a natureza é negativo em sua essência, destrói o ambiente, um mutilador [4].
Alguns diante desta afirmativa propõe que devemos então criar novas formas de conhecer o ambiente [5] saltando das relações objetivas que o homem analisa a natureza como algo externo a ele, mas uma mistura, um diluição do homem na natureza de forma indiferenciada, onde o conhecimento da natureza e ser a natureza (manipular e ser) se tornam a mesma coisa- sem fazer o retorno das diferenças das ações humanas na natureza como apartado dela. Tal movimento, claro, leva a uma subjetivação dos problemas e soluções, levando para o campo da ética, do comportamento e da afetividade.
Percebam, esta visão negativa admite o trabalho como um fator negativo e propõe portanto uma "cura" para ele, o fim da separação entre homem e natureza, dispensando o mediador desta relação, o trabalho (assim pensam os anarcoprimitivistas). Outra visão, mais difundida é a posta acima, uma consciência de que o homem e a natureza são o mesmo, então o primeiro deve moderar o seu trabalho mutilador sobre ela, remodela-lo.
O "meio ambiente" tem uma ligação íntima com a natureza, porém não é a mesma coisa. O meio ambiente costuma ter a mesma definição de geossistema, é a soma do "potencial ecológico" (capacidade de um espaço possuir vida); "exploração biológica" ( como os seres vivos retiram energia deste ambiente e sobrevivem- transformam ele) e a ação antrópica (ação humana) [6] .Ou seja, na própria definição de meio-ambiente subentende-se a ação humana, como fator negativo provavelmente, mas presente na análise. Ou seja, a transformação da natureza é um item corrente do meio ambiente (isto está escondido em sua própria definição), se transforma a natureza, mas não se destrói o meio ambiente enquanto estes três fatores continuarem ativos no ambiente- a categoria também pode ser utilizada para avaliar os três fatores com relação a uma única espécie ou um grupo de espécies ou ainda localidades ex. meio-ambiente da borboleta, meio ambiente da amazônia, etc[7].
É evidente que a ação humana é altamente destrutiva aos habitats do planeta ( veja os exemplo brasileiros: Amazônia, Caatinga, Araucária ou ainda a sexta extinção global causada pelo homem ). Esta ação destrutiva, este trabalho destrutivo do ser humano é algo de sua forma de ser, sempre foi assim e sempre será?
Este trabalho, enquanto categoria negativa e ahistórica, deve ser (como tudo que é ahistórico) derrubado pela história, se voltarmos ao feudalismo vemos o ambiente europeu ser arrasado, florestas virando lenha, rios próximos aos feudos virando verdadeiras latrinas, etc. Na antiguidade temos os grandes aquedutos e outras obras que ganham o apelido faraônicas, justamente pela sua grandeza, temos ainda o fatídico caso da ilha de páscoa. Porém existe um momento documentado onde a ação humana de transformação do ambiente não possui forma destrutiva, na pré história brasileira, os grupos que viviam na Amazônia se somavam em quase um milhão de indivíduos, sua ação foi da transformação profunda do meio-ambiente (capaz de ser mapeada pelo tipo de solo, originário de seus dejetos e de manejos de espécies feitas por estes grupos) porém construiu e constituiu ambientes para as espécies presentes, dando-lhes apenas um outro habitat, qualitativamente igual o anterior [8].
Tiramos desta pequena experiência ( de alguma dezenas de milhares de anos) que que o trabalho não é inatamente negativo ao meio-ambiente, ou seja descartamos aqui as noções de ser humano como necessariamente praga ou vírus do planeta, mas que nossa ação é neste momento destrutiva. Devemos também fazer distinções sobre os modos de produção acima, é óbvio ao observador que sob o escravismo ou o trabalho servil a destruição do ambiente era qualitativamente diferente de hoje, a diferença é qualitativa e quantitativa (colossal, eu diria). Mas o que torna nosso período tão destrutivo?
Uma resposta apressada diria a tecnologia: somos hoje muito mais potentes que a milênios atrás, nossa capacidade de exploração e prospecção são quase absolutas em todo o planeta, logo, segundo sua natureza exploratória (nos dois sentidos da palavra) o ser humano hoje destrói mais que antes[4]. Tal argumento causa estranheza pois põe a culpa a chave por apertar o parafuso; explico: Tal explicação evidência a ferramenta e não a lógica pela qual foi criada.
Uma resposta apressada diria a tecnologia: somos hoje muito mais potentes que a milênios atrás, nossa capacidade de exploração e prospecção são quase absolutas em todo o planeta, logo, segundo sua natureza exploratória (nos dois sentidos da palavra) o ser humano hoje destrói mais que antes[4]. Tal argumento causa estranheza pois põe a culpa a chave por apertar o parafuso; explico: Tal explicação evidência a ferramenta e não a lógica pela qual foi criada.
Toda ferramenta é, em seu princípio mais básico, criada sobre a base de um problema, para ajudar em sua dissolução. A ferramenta torna-se logo uma prótese, um prolongamento de si mesmo, e parte do próprio humano, da forma como ele interage com o mundo [9]. Logo, toda ferramenta responde a uma necessidade e um corpo delas responde a necessidades imediatas de seu tempo, a roca de tear as modernas costuradeiras, todas faziam roupas, mas respondem a necessidades diferentes de seus momentos históricos. A necessidade atual, de nossa sociedade como esta organizada,- no capitalismo- é gerar lucro, então as ferramentas, -estas que potencializam o trabalho humano, este negativo sobre a natureza em nosso tempo, por consequência negativo ao meio ambiente de diversas espécies- são criadas e estão dispostas a forma de gerar lucro. Portanto, o trabalho enquanto destruidor da natureza se organiza desta forma, para além da aparência das ferramentas, em essência, para gerar lucro (e para faze-lo temos de explorar ao máximo a terra.)
A produção que visa lucro não possui valores éticos de controle que o impeça de destruir grandes quinhões de 'natureza' para gerar lucro. Assim é nas grandes indústrias globais, no agronegócio brasileiro, etc.
Vale avaliar outros dois argumentos:
a) Produção sustentável é uma tecnologia: Sim, é possível encontrar no sistema capitalista exemplos de produção que sejam sustentáveis, ou seja, de trabalho que agrida com menos intensidade qualitativa e quantitativa o meio ambiente de outras espécies. Tais experiências estão ligadas a determinadas tecnologias ainda principiante de de custa médio/alto e quase sempre concentrada em países centrais.
b) Desenvolvimento tecnológico desigual e combinado: a tecnologia se espalha entre a nações de forma desigual e combinada, isso se da principalmente pelo fator preço, uma nação mais avançada tecnologicamente tende a ser mais rica, suas inovações são absorvidas em seu país, os produtores da tecnologia anterior (agora ultrapassada) são vendidos para países que ainda não a possuíam (onde seu preço cai pela novidade), tal ciclo se repete criando uma corrente de inovação tecnológica combinada, porém desigual.
Isso torna as grandes inovações de produção sustentável ainda pouco expressiva na produção global, e o desenvolvimento tecnológico sustentável até termos um sistema tecnológico capitalista a níveis aceitáveis terá de ser surreal, para as periferias do sistema receberam tecnologia adequada para tal.
Ou seja, chegamos a uma definição que o meio-ambiente é a implicação de três fatores: O potencial ecológico, o uso biológico e a ação do ser humano. O meio ambiente possui em nossa sociedade (capitalista) uma relação negativa com o trabalho, pois o trabalho (em analogia com as ferramentas) está subordinado ao lucro. Há a possibilidade de um trabalho que anule sua carga negativa nesta sociedade, porém sua realização na história está a perder de vista (porque esta subordinado a tecnologia, que tem uma dinâmica própria de universalização no sistema econômico-social em questão).
Devemos acrescentar a esta formula mais uma contradição, que descrevemos no texto sobre "Divisão Internacional do trabalho" (DIT), a produção no nosso sistema toma como principio uma gama infinita de matéria prima (a produção toma aparência de infinita) e nosso planeta é finito, o ciclo da mercadoria (da retirada da matéria prima ao descarte) subentende uma produção linear (mesmo com os esforços para reciclagem pequena parte do lixo volta para produção, no Brasil é apenas 3% do total).
Forma-se então uma corrida as avessas, entre a produção e a renovação tecnológica. Do lado da produção corremos em direção ao colapso ambiental, escassez de itens básicos, a geopolítica (disputa pela) da água [10], etc. Do ponto da renovação tecnológica temos o avanço no sentido da sustentabilidade e os arranjos que o sistema dá para esta avanço, se espalhando (e acontecendo) lentamente pelo globo.
Nestes termos, futuro da humanidade se coloca nas mãos de pesquisadores (com toda dificuldade que se tem de enfrentar), investidores, produtores e revendedores, todas ávidas por lucro. claro, ainda existem as porta abertas no início do textos, o de desistir do mediador trabalho (como se ele fosse o fator principal) e voltamos ao primitivismo, ou tentamos por meio da ética. Os dois métodos já nascem fracassados pois não levam em conta as condições materiais (que solapam as iniciativas individuais e as tentativas de retorno) O lucro, sua produção é implacável.
Alguns, parecendo já antever esta corrida insana, tomam lado pelo polo da renovação e tentam criar sociabilidades e novas formas de transferência de tecnologia, desenvolvimento científico, experiências em pequenos espaços, entre outras coisas, isso tem ganhado o nome de 'economia verde'[11], algo visivelmente embrionário e que caminha à torcer de nariz de grandes nações como EUA.
Será este o único caminho? Será que devemos manter a economia centrada nas coisas em sua forma de mercadoria (sendo custos e pesos para venda e renda) ou devemos aceitar os itens naturais como outras coisas, por ex. recursos naturais e ambientais[7], com sua essência finita?
Responder a grande questão posta pelo meio ambiente para nós nos abre possibilidades políticas, econômicas novas, mas a resposta deve ser assertiva.
Referências:
[1]SPRINGER, Kalina Salaib. A concepção de natureza na geografia. Mercator- Revista de Geografia da UFC 9.18, 2010 P.159-170.
[2] CASSETI, Valter. Ambiente e apropriação do relevo. Editora Contexto, 1991.
[3] ENGELS, Friedrich. "O papel do trabalho na transformação do macaco em homem." Global, 1990.
[4]RECLUS, Elisée. Coleção grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1985.
[5]COMIRAN, Daniela Fernanda et al. Mediações epistemológicas nas relações humanas com o meio ambiente: consequências da modernidade.Educação Unisinos.16(1):2-16, janeiro/abril 2012
[6] NASCIMENTO, Flavio Rodrigues do & SAMPAIO, José Levi Furtado – Geografia Fisica, geosssistemas e estudos integrados da paisagem- revista da casa da geografia de Sobral,Sobral, v 6/7, n°1, p 167-179, 2005
[7] DULLEY, Richard Domingues. Noção de natureza, ambiente, meio ambiente, recursos ambientais e recursos naturais. Agricultura em São Paulo, São Paulo, 2004, 51.2: 15-26.
[8]LUI, Gabriel Henrique; MOLINA, Silvia Maria Guerra. OCUPAÇÃO HUMANA E TRANSFORMAÇÃO DAS PAISAGENS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA. Amazônica - Revista de Antropologia, [S.l.], v. 1, n. 1, abr. 2016
[9] FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Zahar, 1976.
[10]WALDMAN, Maurício. Recursos hídricos e a rede urbana mundial: dimensões globais da escassez. Anais do XIII Encontro Nacional de Geógrafos. João Pessoa–Paraíba, 200
[11]OLIVEIRA, Carina Costa de, & Rômulo Silveira da Rocha Sampaio. A Economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável: a governança dos atores públicos e privados. FGV Direito Rio, 2011.
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