Resenha do livro Geografia da fome de Josué de castro
Prof. William Poiato
Trataremos do livro “Geografia da Fome” de Josué de Castro, um grande autor, nascido em 1908 no nordeste do país, formado em medicina na Universidade do Brasil, livre docente de fisiologia na faculdade de medicina do recife em 1932 migra para estudos geográficos e antropológicos ocupando a cátedra de diversas universidades neste período se fixando como professor catedrático de Catedrático de Geografia Humana da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, 1940 a 1964.uma carreira centrada na ‘questão da fome’ o leva à diversas conferências pelo mundo e a ser premiado , teve importante papel político no recife em escala federal, foi delegado da FAO (Food and Agriculture Organization) em 1947 efetuando grande papel.
A obra surge em 1946, no ápice da importância política do autor, que tenta espacializar o problema da fome no Brasil, considerando-a um problema endêmico e epidêmico, ou seja, a fome enquanto doença social no espaço , tal obra se tornou um clássico, o plano inicial era fazer diversos estudos pelo mundo montando uma coletânea da geografia da fome, infelizmente o projeto não foi executado, nos deixando este forte fruto para a chamada ‘geografia-da-saúde’. O livro é dividido pelo autor em cinco partes “área amazônica, área do Nordeste açucareiro, área do sertão do Nordeste , as áreas de subnutrição: Centro e Sul e estudo do conjunto brasileiro” que serão explicitados a seguir
A obra:
1. Área amazônica: Josué de Castro despende neste tema uma suntuosa apresentação da floresta amazônica, -ele aparece como um grande admirador paisagístico em toda a obra- , concentrado na linha limite entre o físico e o social, pensado a questão da fome o que ele chama de ‘tragédia geográfica’, que é a população “formada de gotas de gente salpicadas a esmo na imensidade da floresta”(CASTRO,1984:54) com uma alimentação pautada na mandioca que associada á uma dificuldade na agricultura local, o estresse gradual dos rios para a obtenção de peixes para a alimentação associado à pressões sociais. Grosso modo, a crítica de Josué tem como ponto central o isolamento geográfico associado ao extrativismo causa o padrão de fome endêmica na macrorregião que como ele salienta cobre uma imensidão do Brasil sendo junto ao Nordeste brasileiro uma marca da chaga da fome no Brasil.
2. Área do Nordeste açucareiro: O autor inicia sua análise falando do ‘desmatamento’ da mata original pela cana de açúcar , ele fala de uma substituição desta mata por uma humanizada, à partir dos valores e vontades humanas.
Castro nos dá destaque para um fator que ele classifica de ‘incrível infortúnio’ que é a diferença entre possibilidade e ação da fome – terra fértil e fome endêmica –, ou seja, a incrível fertilidade da terra em outros tempos não aproveitada para a produção de viveis e sim de mercadorias que destroem a terra, a cana de açúcar, associada ao grande latifúndio- monocultura em larga escala – causa não só a fome endêmica e extrema, mas também a destruição dos solos e das populações locais, como ele nos destaca:
“Contudo, mais destrutiva do que esta ação direta da cana sobre o solo é a sua ação indireta, através do sistema de exploração da terra que a economia açucareira impõe: exploração monocultora e latifundiária”.
“A monocultura é uma grave doença da economia agrária, comparada por Guerra y Sanchez à gangrena que ameaça sempre invadir o organismo inteiro, e por Grenfell Price ao câncer, com o desordenado crescimento de suas células se estendendo impunemente por todos os lados”. (CASTRO,1984:107)
Ele destaca que o uso da terra feita pelas pequenas famílias e grupos que produziam viveis, e dos indígenas e os escravos- que em sua terra tinham um trato com a terra a fim de restituí-la- poderiam ter feito a manutenção da terra, como fizeram em pequenos trechos, porém a microrregião ainda está deveras degradada.
Feito este panorama percebemos que é a concentração de terra associada a monocultura os agente causadores da fome endêmica na região .
3. Área do sertão do Nordeste:Nesta região o geógrafo e fisiologista nos levanta uma nova possibilidade para a destruição de fome, enquanto na região amazônica e no nordeste açucareiro a fome era endêmica, ou seja, particular da estrutura local e impregnado nela, no sertão do nordeste temos uma fome epidêmica, sazonalmente a fome se espalha como uma epidemia.
A principal causa é seu clima onde:
“O característico fundamental desta extensa área geográfica é o seu clima semi-árido. Clima tropical, seco, com chuvas escassas e principalmente irregulares. Com uma temperatura média elevada o ano inteiro, associada a baixos graus de umidade relativa do ar, dos mais baixos do país, tornando o clima saudável, isento de inúmeras doenças tropicais, condicionadas pelo excesso de umidade do solo e do ar. Já Rippley3 tinha notado há muitos anos que nos trópicos, onde há água em abundância e a vegetação é frondosa, o clima se apresenta mortífero, e onde a água é escassa e a vegetação exígua, o clima é salubre. São as chuvas incertas, com um regime pluviométrico de uma irregularidade espetacular, que tornam o clima nordestino um fator de degradação da vida do homem nesta região.4 Desta irregularidade das chuvas resultam desde o empobrecimento progressivo do solo pela erosão até as crises calamitosas de fome na região.” (CASTRO,1984:167)
O autor ressalta que longe das secas a região poderia se desenvolver, não atoa a sua estrutura de fome enquanto epidemia, sazonal e condicionada pelo clima, causando uma população, como ele diz ‘sisuda e inconstante’. Como enumera a seguir:
“Se o sertão do Nordeste não estivesse exposto à fatalidade climática das secas, talvez não figurasse entre as áreas de fome do continente americano. Infelizmente, as secas periódicas, desorganizando por completo a economia primária da região, extinguindo as fontes naturais de vida, crestando as pastagens, dizimando o gado e arrasando as lavouras, reduzem o sertão a uma paisagem desértica, com seus habitantes sempre desprovidos de reservas, morrendo à míngua de água e de alimentos.”(CASTRO,1984:167)
O autor vai aludir à Euclides da Cunha , não sem antes levantar o muito mais poeta que geógrafo em sua obra ‘Os sertões’, aludindo aos ‘oasis’ em meio o nordeste, estes locais sem seca, que para Josué de Castro não alteram em muito a insalubridade do local, pois claramente o local fornecia poucos alimentos nem na fauna nem na flora pode-se sustentar a vida de grupos humanos.
Josué vai especular sobre as primeiras ocupações destas terras e por que o ser humano não migrou desta região, a resposta parece estar na abundância de terras e na sua capacidade de adaptação, como dissemos a fome é sazonal chegando na seca nas épocas de pluviosidade a vida se desenvolve com alguma facilidade, a região se desenvolve como grande produtor de cabras que tem auxiliado na alimentação, porém causam sua diferenciação no ambiente a nível da flora, Josué nos ilustra um pouco esta economia:
“Temos uma miniatura expressiva da economia de todo o sertão nordestino no quadro que o agrônomo Trajano Pires da Nóbrega nos pintou da organização econômica de uma área situada às margens do São Francisco, nos municípios de Itaparica e de Floresta, no Estado de Pernambuco: ‘A exploração da propriedade é feita em geral por meio da agricultura e da pecuária. Na serra de Tacaratu a agricultura é exclusivista; na margem do rio predomina o regime misto, enquanto no centro da caatinga faz-se principalmente a pecuária’” (CASTRO, 1984:180).
Logo, vemos no autor uma defesa clara da posição de fatores geográficos alterando a alimentação na região, o'que marca claramente a diferença da distribuição da fome nesta região das demais, aqui a fome é sazonal e se desenvolve enquanto epidemia por fatores climáticos do semiárido.
4. As áreas de subnutrição: Centro e Sul Neste ponto o livro nos traz uma análise da área central e sul do país colocando claramente que a fome aqui não é endêmica nem mesmo epidêmica, mas uma questão de subnutrição, regime colocado sobre uma clara divisão de classes. Na região central temos, segundo o autor , algumas doenças específicas à alimentação, porém a produção de alimentos pelo clima mais equilibrado e solo relativamente fértil se desenvolve com facilidade.
Tal alimentação centrada em alguns níveis específicos causava nas regiões centrais e sul uma concentração de uma doença chamada ‘Bócio’ causada pela falta de iodo no organizamos, esta parece ser a doença de subnutrição espalhada em todos os cantos nesta região, bastante associada a classe trabalhadora.
O autor acredita que o isolamento da região central seja responsável por em alguma medida pela sua carência alimentícia e as comunicações viárias que brasileira traria seriam responsáveis por uma nova circulação de viveis.
Agora, na região Sul ele caracteriza como a região de maior abundância no país apoiada no poder agrário e recente desenvolvimento industrial, porém como já destacamos, a subnutrição aflige a classe trabalhadora empobrecida nos meios urbanos, como ele destaca:
“Em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo os pediatras têm constatado nos últimos anos uma incidência extremamente alta dos edemas de fome das distrofias malignas e mesmo dos síndromes típicos de kwaskiorkor entre as crianças atendidas nos hospitais públicos, nos bairros operários e nos subúrbios.” (CASTRO, 1984:201).
Logo, a subnutrição na região de melhor abastecimento do país tem classe social e rosto, está encravada no bojo da classe trabalhadora, empobrecida e colocada sobre um regime irracional para a região que já dispõe de viveis, porém que reflete neles sua concentração de renda.
5. Estudo do conjunto brasileiro
O autor ao fim levanta sua tese geral, da fome como problema generalizado no país, a nível geral ou local encontraremos o problema incrustado na sociedade, assim em sua análise qualitativa do problema, causando problemas em seu desenvolvimento, esta condição acontece segundo o autor pelo desenvolvimento histórico do país, pouco sanado até então.
“Com a apresentação, sob a forma de grandes manchas impressionistas, das áreas de subnutrição do Centro e do Sul, completa-se a caracterização do mosaico alimentar do país. Através deste panorama verifica-se a veracidade do título e das premissas deste volume: o Brasil é realmente um dos países de fome no mundo atual. Tanto em seus quadros regionais como em seu conjunto unitário, sofre o Brasil as duras consequências dessa condição biológica aviltante de sua raça e de sua organização social[...]A fome no Brasil, que perdura, apesar dos enormes progressos alcançados em vários setores de nossas atividades, é consequência, antes de tudo, de seu passado histórico, com os seus grupos humanos, sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros naturais. Luta, em certos casos, provocada e por culpa, portanto, da agressividade do meio, que iniciou abertamente as hostilidades, mas, quase sempre, por inabilidade do elemento colonizador, indiferente a tudo que não significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de aventura mercantil.” (CASTRO, 1984:260).
Tal quadro histórico gera esta distribuição do quadro alimentar no Brasil:
Tal quadro segundo o autor é um problema politico, da incapacidade dos governos de centralizarem o desenvolvimento no país, subjugando-se as vontades internacionais renuncia á seu próprio povo, o projeto de Castro era um projeto desenvolvimentista voltado para a distribuição de renda e distribuição da capacidade nacional de distribuição da renda na forma de mercadorias, fazer a redistribuição de terras e repensar até mesmo o modelo civilizacional-desmedindo nossa realidade com a Europa- também, para expulsar do país este problema latente.
Considerações gerais:
Temos de analisar um clássico pelas características que o tornam clássico e as armadilhas contidas nele. A ‘geografia da fome’ carrega uma base conceitual de geografia bastante perigosa e característica da época, que costuma ser denominada de ‘determinismo geográfico’, porém em sua base explicativa e conceitual carregada temos a proeza do método qualitativo, atualizando talvez toda uma base conceitual da geografia, muito ligada aos dados estatísticos ‘duros’, aqui Josué faz uma análise que procura demonstrar a estrutura do problema a ‘qualidade’, a estrutura elucidada por Josué de Castro pareceu útil para olhar o Brasil até mesmo nos anos 2000, onde as novas políticas de ataque à fome estrutural -não que não existissem outras antes- carregaram a aparência de atacar problemas e pontos cruciais já levantados pelo autor meio século antes..
Vemos na audaciosa obra de Josué de castro descrita acima uma demonstração de como era o Brasil na década 40’, além de ser um clássico, o que já torna sua leitura válida, a leitura de Josué de Castro se torna cada vez mais atual pensando o atual cenário político nacional onde a palavra ‘fome’ entrou novamente no ideário político.
Desde 2003 vivemos sobre um governo que sobre um determinado ponto de vista tem caminhado na tentativa de desenvolver o projeto de desenvolvimentismo como salientava o geógrafo e fisiologista, cujo qual colocou a erradicação da fome como projeto primário.
Ver o Brasil sendo colocado pela ONU fora do mapa da fome– a FAO órgão que o próprio Josué de Castro já foi delegado divulgou estudo à um ano- talvez seja a maior marca das transformações que os mais de sessenta anos que dividem a obra e a atualidade.
Mapa da Fome: FAO 2014
Porém, é impressionante a atualidade se pensarmos o modelo de enfrentamento do problema da fome que pareceram estruturalmente e como a obra parece correta no sentido de diagnóstico e cura da doença da fome no país.
Olhando deste prisma vemos na ‘geografia da fome’ uma precisão de diagnóstico e de cura que somente um médico como Josué teria competência de gerar, mas uma análise profundamente geográfica e pretensiosa que somente um geógrafo como Castro seria em seu tempo capaz de idealizar.
Um clássico para ser lido apreciado e analisado à fundo.
Referencias:
Castro, Josué-Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço- Rio de Janeiro : 10° edição-Edições Antares, 1984.
ABREU, Antônio Suarez. Curso de redação. São Paulo: Ática, 1999.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2001.
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